De um artigo acadêmico de João Cucci Neto me fundamentei para lhes falar de trânsito.
“Senhor Diretor, só “furei” o sinal porque não tinha nenhum “Amarelinho” à vista!”. O autor da frase existe, é um senhor culto, acima do cinqüenta anos, bem situado financeiramente, é formador de opinião e coisa e tal...
Com o descarado argumento acima e brandindo furiosamente uma notificação (o famoso auto de infração), ofertava defesa contra o ato legítimo de um agente fiscal de trânsito.
Daí, fique imaginando, alguém, em uma festa puxando conversa, dando vivas a fiscalização. Nada seria mais eficiente para espantar as pessoas.
Não estou me referindo a qualquer tipo de fiscalização, mas especificamente à de trânsito; aquela que tem como objetivo alterar o comportamento das pessoas.
Existem tendências de comportamento que são próprias do ser humano e que não se consegue mudar simplesmente através do convencimento. Isso vale para as pessoas de um modo geral. Vale para o brasileiro, para o europeu, para o americano.
Em termos de trânsito, o comportamento do motorista inglês sempre surge como exemplo de cidadania, de respeito ao próximo e de desenvolvimento, pois, a mais leve menção do pedestre em colocar o pé na faixa, pára seu carro imediatamente.
É um fato que isso ocorre, mas é apenas um produto de uma fiscalização sempre presente e baseada em multas altas.
Na verdade, a Inglaterra é o país mundialmente mais rígido na fiscalização de trânsito, seguido pela Noruega e Suécia.
Ora, se o desenvolvimento de um país, incluindo o nível cultural de seus cidadãos, pudesse garantir um bom comportamento no trânsito, não bastaria apenas a educação de trânsito?
Por que a necessidade de rigidez na fiscalização?
Vamos a dois exemplos do trânsito: há alguns anos foi feita uma campanha para aumentar o uso do cinto de segurança em oito estados norte-americanos. A campanha era baseada em um “slogan” mais ou menos assim: “use o cinto ou leve uma multa”.
O resultado foi considerado ótimo. O Estado com a melhor resposta foi o Tennessee, que viu seu índice de utilização do cinto saltar de 55 para 75% dos motoristas.
Na cidade de Cuiabá, uma das infrações mais comuns, ainda é a falta de uso do velho e conhecido, salvador de vidas, cinto de segurança.
Em algumas raras cidades brasileiras o motorista respeita o pedestre. E os bons resultados só foram alcançados com a política correta aplicada no conjunto engenharia, educação e, principalmente, fiscalização.
O que faz a diferença entre, cumprir ou não cumprir a boa regra, de um indivíduo em relação ao outro é o nível de fiscalização. Podem apostar: se for suspensa a fiscalização em qualquer desses locais, gradativamente haverá um relaxamento em relação às normas de boa conduta no trânsito.
Mas, por que essa rigidez fiscalizatória? Por que cobrar tão caro pela desobediência às leis de trânsito?
A resposta é simples – A FISCALIZAÇÃO POUPA VIDAS.
Ao investir na mudança de comportamento e na redução dos maus hábitos como dirigir com excesso de velocidade ou embriagado, o retorno para a sociedade é imediato. São menos pessoas feridas, menos leitos ocupados nos hospitais, menos famílias traumatizadas.
Olhando por esse ângulo, por que a fiscalização de trânsito é um assunto tão mal visto em nossa sociedade?
Uma das culpadas é a famigerada história da “indústria de multas”; difundida de má fé por maus cidadãos e piores políticos. História da carochinha, pois não é racional pensar na possibilidade de uma “indústria de multas”, pelo simples fato de que não é possível punir alguém que não fez nada de errado.
Se todos dirigirem corretamente, ninguém receberá multas.
Dados recentes indicam que no mês de março, aqui em Cuiabá, 4100 veículos foram “multados”; para uma frota estimada de duzentos mil veículos. Apenas 0.5% da frota.
Que “indústria” então é essa? Uma parte do mito da “indústria” foi alimentada pelo mau uso da mídia. Como uma parcela da população é contra a fiscalização, matérias sobre esse assunto davam bom retorno, sobretudo as negativas.
Ainda é comum nessas matérias a apresentação de alguns exemplos esdrúxulos, como o caso do motorista de um caminhão multado porque estava sem capacete, o que acabavam convencendo àqueles que não tinham opinião formada sobre o assunto.
Porém, o que explica o caso do capacete? Ora, são lavradas milhares de penalidades por dia no Brasil.
A maior parte delas é decorrente de um processo humano, de detecção e preenchimento de um talão. É natural que ocorram erros. Para corrigir esses erros, existem mecanismos para os recursos de multa.
É onde o caso do capacete deveria parar e não em uma página de jornal.
Mas, felizmente, as coisas têm mudado. Já não se fala mal da fiscalização, nos últimos seis meses, de forma tão negativa.
Com um melhor comportamento dos motoristas, as multas deixam de ser lavradas e, o que é o melhor de tudo, o produto é um trânsito menos violento.
Ainda estamos sobre influência de heranças elitistas, que começaram na época colonial, e ainda não excluídas, onde as leis não são exatamente para todos. Ainda é possível verificarmos pelas ruas comportamentos do tipo “você sabe com quem está falando?” e outros exemplos de autoritarismo e arrogância.
Nesse ponto, as leis de trânsito incomodam, porque são democráticas.
A placa de proibido estacionar não faz ressalvas. O radar não poupa os que superam a velocidade, seja lá qual for a classe social do infrator. A pontuação na carteira impede que o cidadão de maior poder aquisitivo possa desobedecer a lei simplesmente porque tem como arcar com o valor da multa.
Falta ainda reduzir essa herança cultural a níveis desprezíveis para que tenhamos um trânsito menos violento, com respeito às leis e à sinalização.
A fiscalização deve estar presente e impondo penalidades pesadas. Mas, sendo cada vez menos usada.
Fiscalização é vida!
Pelo menos no trânsito.
...
*Léo Gonsaga Medeiros é cidadão cuiabano
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