“Não sei, temos que ir.”
Jack Kerouac (On the Road)
Parece que o trânsito não é um problema que deva ser resolvido.
Ele é uma eterna e insolúvel questão de como nós, estranhos, podemos nos locomover juntos.
O trânsito medeia as nossas relações, e, muitas vezes transforma o espaço urbano em prejuízo da escala humana.
Na história, somente a religião influenciou tanto o ordenamento urbano físico quanto o trânsito automotor.
Em um acidente, quando não feridos ou mortos, somos de qualquer maneira lançados à margem.
Paramos o trânsito, atrapalhamos o fluxo; pegos de surpresa, nos tornamos vulneráveis.
A nossa carcaça, a qual nos habilitava a participar do jogo de ir-e-vir não pode continuar.
Eu, tu, ele, nós, estamos fora.
Fica a desídia, a mesquinhez, a pusilanimidade.
São milhares de mortos em acidentes de trânsito, por ano, no Brasil, na nossa cidade.
Todas as premissas físicas de uma cidade tradicional desapareceram: circulação contínua para pedestres, espaços habitáveis de domínio público, sucessão de detalhes arquitetônicos nos prédios e ruas – portais, entradas emolduradas, peitoris, alpendres, bancos, árvores e tudo mais.
Alargar as pistas para diminuir os congestionamentos parece ser um esforço inútil, pelo descompasso entre a possibilidade de resolver as tensões da ocupação do espaço, a construção e o número de automóveis, que cresce, sem regulamentação, na mesma taxa de crescimento da renda média dos moradores da cidade.
O Banco Mundial calcula que para cada 1% de crescimento na renda média da população haja 1% de crescimento no número de veículos urbanos e 0,1% de extensão das estradas.
O trânsito motor individualizado foi uma resposta imediata às necessidades de locomoção do início do século XX, mas constituiu um dos grandes fracassos desse período, do qual não conseguimos nos livrar.
Ele veio provocar o caos urbano, a morte, a poluição do ar e sonora, a morte, a crise do combustível, a morte e a destruição da cidade como até então ela era entendida.
O carro não é só uma máquina de deslocamento, mas um veículo libertador que potencializa a nossa inquietação e oferece aos nossos pés um catalisador poderoso: a velocidade.
Com ela fragmentamos a realidade e embriagamos os sentidos.
Deixamos de ser homens com batidas por minuto para sermos “drag-ciber-mecânicas” movidas a quilômetros por hora, enquanto o mundo passa lá fora em imagens distorcidas.
É certo que cada cidade cada cidade tem o número de vítimas por acidentes de trânsito que está disposto a tolerar.
Em Cuiabá quantas vítimas mais?
“Aonde nós vamos, cara?”
Com a palavra o nosso galínático burgomestre e os nossos sorumbáticos edis.
Mas, respondam-me sem nenhuma bazófia peristáltica.
...
Léo Gonsaga Medeiros é cidadão cuiabano
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