Trote animalesco 06/05/2005

Como preâmbulo ao início das aulas, os trotes voltaram. Assisti hoje (06/05), nas proximidades de conhecida universidade pública, manifestações de caráter violento contra calouros; fui abordado por um infeliz e jovem ser humano, com cabelo raspado, olhos esbugalhados, roupa e corpo manchados por tinta de diversos matizes, que, em outra circunstância caracterizaria miséria e decrepitude, era vigiado por sequazes semelhantes, os chamados veteranos.

Reclamava o infeliz por moedas.

O comportamento agressivo, violento, padrão dos veteranos, repete-se ano após ano e a passividade bovina dos calouros me assusta.

A ¨dominação¨ dos estudantes veteranos submete os calouros a práticas humilhantes e não existem exceções, homens e mulheres são igualmente submetidos aquela situação pública vexatória.

Faltou convidar os pais dos jovens seviciados bem como o reitor da universidade para testemunharem o que chamam de rito de passagem.

Mas tudo isso não importa, afinal os sacrificados de agora serão os sacrificadores do futuro, quando, lá, serão considerados veteranos e tudo se repetirá, para honra e glória do sistema.

Agressões, submissão, exposição a situações vexatórias, pichações, raspagem de cabelo, são apenas “brincadeiras” dos veteranos.

Além da humilhação, há também a desumanização, palavra de agrado da atual classe dirigente. Afinal, é mais fácil agredir algo que não é humano, explica um veterano com ares de intelectual imbecilóide.

¨Pois não é que desde os primeiros registros de trote, que datam do século XIV, os calouros já eram identificados como animais,e que , portanto, precisavam ser domesticados.¨ Explica-me com sua lógica nazista e pretensa soberba intelectual.

Imagino que o acadêmico está surtado, vejo suas pupilas dilatadas, sua respiração ofegante, verdadeiro domador de calouros, portador do archote que iluminará a formação cultural do novo aluno, o indivíduo civilizado que vai domesticar os neófitos e ensiná-los a conviver no meio acadêmico.

Enfim, um guardião de fé acadêmica.

Será?

Ainda, mais estranho é o componente masoquista do calouro(a) em relação aos veteranos.

Embora sofram com a humilhação - e, em alguns casos, com as agressões - alguns supliciados se sentem ¨premiados¨ por fazer parte daquele evento grotesco.

Satisfeitos, já passam a planejar o próximo trote, quando assumirão a posição de veteranos, aqueles que são responsáveis por causar o sofrimento nos mais novos - com um forte elemento sádico.

¨Alguns calouros querem ser trotados de maneira violenta. Senão, para eles, não significaria ser identificado como alguém que entrou na universidade¨, acrescenta o portador do archote.

Freqüentemente, este sadomasoquismo se estende aos pais dos alunos, que vêem o trote como marca de status, que diferencia os ¨capacitados¨ dos demais integrantes da sociedade.

¨É comum ouvir de pais de alunos que fizeram pouco com o filho, que ele próprio faria muito mais. Isso acontece porque ele não pode voltar para casa sem portar sinais que o identifiquem como alguém que entrou na universidade.¨ Assim acrescentou, um acólito do portador do archote.

Silente fiquei, escrevo agora.

Um outro mais inteligente me aborda, vestisse uma roupa preta com suástica, completaria o cenário.

¨O trote se alimenta da banalização da violência na comunidade. Isso acontece porque vivemos em uma sociedade violenta.”

Sua lógica é perversa e questiono.

¨A integração de maneira violenta não irá pode provocar sérios danos ao desenvolvimento acadêmico dos estudantes? Que tipo de médico, engenheiro, advogado... vai ser um sujeito que está acostumado a humilhar o outro, a satirizar aspectos físicos preconceituosos?¨

Que tipo de “responsabilidade social”(olha a palavrinha) terá alguém com esse perfil?

É possível se fazer com que os calouros sejam bem recepcionados na universidade, com dignidade, respeito e fraternidade? Respondam-me, por favor, senhores pais , professores, reitores, educadores, veteranos.

Léo Medeiros

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