Uééé? Mas tu tá vivo?!!! 14/01/2007

-- Você é o Mederovsk?

-- Uéééé? Mas tu tá vivo?

Com cara de espanto, me interrogou um antigo companheiro das lides de antanho no velho Mato Grosso.

Bati três vezes na madeira que sustenta o beiral do boteco.

Senti uma sensação estranha, até esquisita.

Uma sensação nova, diferente, ressuscitei e não sabia.

-- Lamento desapontar, mas se morri, um sacerdote vodu me fez regressar a vida e não estou naquele estado maléfico com o corpo malcheiroso e sem alma.

O infeliz ainda insistiu:

-- Me falaram que tu tinha passado dessa pra outra......

-- Amigo, não entendo muito de dessas coisas, mas não estou em um estado de transe cataléptico como ¨morto vivo¨, nem reduzido ao nível mental de uma pessoa lobotomizada, uma pessoa a quem se extirpou parte do cérebro.

Senti um calafrio na “espinha” e insisti com o espantado amigo:

-- Me disseram que morto não fala, que morto não vê, que morto não chora, que morto não pensa, me disseram que morto não fala o que pensa, mas eu falo, eu vejo, eu choro, eu penso... Não! Eu não sou morto-vivo.

-- Seuzé (Seuzé é o dono do boteco com a cerveja mais gelado do Coxipó).

-- Seu Zé, traga mais uma bem geláaaaada!

E, para espanto dos transeuntes, alcoólatras, bêbados contumazes, dos que me acompanhavam, de mim mesmo e de outros freqüentadores do festejado ambiente barístico passei a recitar em voz alta um poema que dizem ser de Pablo Neruda:

-- “Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

(…).

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o simples fato de respirar. “

Passado o transe,depois de várias “saideiras”, depois da “penúltima”, no caminho de casa, encafifei uns pensamentos sorumbáticos:

-- Quem vai chorar o pranto mais sincero quando eu for dar o passo eterno?

-- Quem vai cometer os pecados que só eu cometia?

-- Se eu morrer muito cedo por imperfeição de um dia na direção?

O corpo ralado, coração se recusando a bater...

-- Se eu morrer cedo, vejam vocês...

-- Se eu morrer cedo lembrem-se que no meio da desesperança mantive sempre acesa a chama...

-- Se eu morrer cedo lembrem-se:

Viajei por caminhos pedregosos
cercado de ventos corajosos
fui nada mais do que eu...

-- Se eu morrer muito cedo sem ver os netos? Que triste será esse fim...

-- Se eu morrer cedo de infarto quem terá como eu tive pensamentos primaveris pornográficos?

--Se eu morrer cedo de preocupação quem vai pegar na minha mão?

-- Se eu morrer cedo de saudade dos meus amores miseráveis quem plantará a saudade como eu plantei?

-- Se eu morrer cedo quem vai fazer como eu o que ninguém fez?

E, tu amigo,se eu morrer cedo eternize-me em tuas lembranças, senão eu volto e puxo o teu pé!

-- Uéééé? Mas tu tá vivo?

...

*Em homenagem ao Violante e o Navarro, testemunhas de minha “volta”.

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