João, ontem e hoje 07/09/2006

João acorda cedo, faz suas abluções matinais e preparando-se para mais um dia de trabalho, senta-se à mesa para o café matinal, pão, margarina barata e “mortandela”, reza dando graças a Deus por ter saúde.

Até então a vida segue normal para o homem comum, mas, aí comete o desvario de ligar a televisão e assistir as notícias matinais, e, é então bombardeado por todo tipo de desgraça.

Todos os miasmas pútridos do mundo aportam em sua casa na voz melíflua da apresentadora.

A repórter, num terninho tipo “pregadora”, narra a ocorrência do dia: a imagem de um cadáver emborcado e imerso em uma enorme poça de sangue é apresentado a João, em câmara lenta, ao vivo e a cores.

Nenhum pudor ou censura à tragédia é feito; a edição da matéria obedece aos interesses puramente financeiros do dono da empresa.

As imagens exalariam, se possível fosse, o odor mefítico do Hades.

E, ali está João, mastigando pão, pensando na vida e criminosamente sendo açoitado pela realidade do mundo.

O engomado apresentador, com cara de botox, agora fala de remédio para tosse, do roubo do dinheiro público, mas, a imagem que marcou sua manhã foi a do cadáver afogado em seu próprio sangue.

João pensa em mudar-se da cidade grande, morar no interior, fazer sociedade com um primo pescador lá de Mimoso, vender a televisão.

Televisão? No fundo de sua memória, no mais recôndito canto está a impressão da desgraça, ainda ouve a narração circunspecta e impessoal da miséria humana, ainda sente o cheiro da ignomínia humana, suspira fundo, ainda se lembra da história do dia anterior:

“Preso na última terça-feira, ele é o homem que, na véspera, apedrejou, esfaqueou e partiu ao meio o corpo da dona Fulana.

A metade superior do corpo continua desaparecida, mesmo após buscas da polícia e dos bombeiros no Aterro Sanitário da cidade.

Catadores de lixo foram alertados pela polícia de que devem avisar caso localizem os restos mortais, que foram colocados pelo Marginal.

O quadril e as pernas foram localizados na noite de segunda-feira na Rua do Meio, por um catador.

Em conversa com policiais, o matador relatou detalhes que ainda não haviam sido revelados.

O serrote apreendido, por exemplo, foi empregado para serrar apenas a coluna de Fulaninha. O abdômen foi ´cirurgicamente´ cortado á faca, a mesma usada, antes, para golpear o pescoço da empresária.

Segundo Marginal, a arma foi colocada dentro do saco com a parte superior do corpo.

Antes de começar o ritual de brutalidade, Marginal andou pelas dependências da casa.

Nesse período, a vítima falou ao celular.

Enquanto isso, ele pegou uma pedra de mármore e colocou em cima de geladeira. Quando Fulaninha, de costas, desligou o telefone, foi golpeada duas vezes na nuca com a pedra.

Antes de desmaiar, a vítima teria tentado se defender porque o corpo de marginal apresenta marcas de luta corporal.

O conhecido Marginal cumpriu pena por roubo entre 30 de abril de 1998 e 11 de março de 2005, quando ganhou liberdade condicional.

Ele jamais recebeu visitas na prisão.

Após matar por motivo fútil o monstro ainda tem o requinte de esquartejar a vítima!”

João, sacode a cabeça, beija a mulher, o filho e confere a marmita: ovo, farinha, arroz e feijão.

-- Até à noite Maria, estude bem a lição Juninho! Ah! Maria, desliga essa televisão que não faz bem pro “minino”.

Na sede da rede de televisão, um telefonema do 190: “...avisa o repórter que tem mais um cadáver lá no bairro...”

...

*Kamarada Mederovsk é um ¨cerumano¨ como outro qualquer

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