João acorda cedo, faz suas abluções matinais e preparando-se para mais um dia de trabalho, senta-se à mesa para o café matinal, pão, margarina barata e “mortandela”, reza dando graças a Deus por ter saúde.
Até então a vida segue normal para o homem comum, mas, aí comete o desvario de ligar a televisão e assistir as notícias matinais, e, é então bombardeado por todo tipo de desgraça.
Todos os miasmas pútridos do mundo aportam em sua casa na voz melíflua da apresentadora.
A repórter, num terninho tipo “pregadora”, narra a ocorrência do dia: a imagem de um cadáver emborcado e imerso em uma enorme poça de sangue é apresentado a João, em câmara lenta, ao vivo e a cores.
Nenhum pudor ou censura à tragédia é feito; a edição da matéria obedece aos interesses puramente financeiros do dono da empresa.
As imagens exalariam, se possível fosse, o odor mefítico do Hades.
E, ali está João, mastigando pão, pensando na vida e criminosamente sendo açoitado pela realidade do mundo.
O engomado apresentador, com cara de botox, agora fala de remédio para tosse, do roubo do dinheiro público, mas, a imagem que marcou sua manhã foi a do cadáver afogado em seu próprio sangue.
João pensa em mudar-se da cidade grande, morar no interior, fazer sociedade com um primo pescador lá de Mimoso, vender a televisão.
Televisão? No fundo de sua memória, no mais recôndito canto está a impressão da desgraça, ainda ouve a narração circunspecta e impessoal da miséria humana, ainda sente o cheiro da ignomínia humana, suspira fundo, ainda se lembra da história do dia anterior:
“Preso na última terça-feira, ele é o homem que, na véspera, apedrejou, esfaqueou e partiu ao meio o corpo da dona Fulana.
A metade superior do corpo continua desaparecida, mesmo após buscas da polícia e dos bombeiros no Aterro Sanitário da cidade.
Catadores de lixo foram alertados pela polícia de que devem avisar caso localizem os restos mortais, que foram colocados pelo Marginal.
O quadril e as pernas foram localizados na noite de segunda-feira na Rua do Meio, por um catador.
Em conversa com policiais, o matador relatou detalhes que ainda não haviam sido revelados.
O serrote apreendido, por exemplo, foi empregado para serrar apenas a coluna de Fulaninha. O abdômen foi ´cirurgicamente´ cortado á faca, a mesma usada, antes, para golpear o pescoço da empresária.
Segundo Marginal, a arma foi colocada dentro do saco com a parte superior do corpo.
Antes de começar o ritual de brutalidade, Marginal andou pelas dependências da casa.
Nesse período, a vítima falou ao celular.
Enquanto isso, ele pegou uma pedra de mármore e colocou em cima de geladeira. Quando Fulaninha, de costas, desligou o telefone, foi golpeada duas vezes na nuca com a pedra.
Antes de desmaiar, a vítima teria tentado se defender porque o corpo de marginal apresenta marcas de luta corporal.
O conhecido Marginal cumpriu pena por roubo entre 30 de abril de 1998 e 11 de março de 2005, quando ganhou liberdade condicional.
Ele jamais recebeu visitas na prisão.
Após matar por motivo fútil o monstro ainda tem o requinte de esquartejar a vítima!”
João, sacode a cabeça, beija a mulher, o filho e confere a marmita: ovo, farinha, arroz e feijão.
-- Até à noite Maria, estude bem a lição Juninho! Ah! Maria, desliga essa televisão que não faz bem pro “minino”.
Na sede da rede de televisão, um telefonema do 190: “...avisa o repórter que tem mais um cadáver lá no bairro...”
...
*Kamarada Mederovsk é um ¨cerumano¨ como outro qualquer
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