Fim de mês, tarde do dia, cansado, a cabeça parecia estourar, quarenta graus, a sola do sapato ordinário, amolecendo ao contato do asfalto fervendo; de longe vejo o ponto de ônibus apinhado de gente, pobres, como eu, retornando pra casa na periferia.
Triste sina, dava um duro danado e não sobrava nada, além do poucos trocados que seriam destinados ao boteco do bairro, pagar as despesas, tomar uma dose, levar pão e leite pro fim de semana.
O ônibus, finalmente chegou; calor infernal ali na “Prainha”, ia ficar pior naquela tranqueira de veículo onde o cheiro do diesel confundia-se com cheiro de gente, perfume rastaquera, suor e outros sub-produtos do corpo.
Preto, brancos, crianças, velhos, trabalhadores, mulheres, estudantes, vendedores, cabos eleitorais, todos apinhando-se como porcos, rumo ao matadouro; a espécie humana representada; um micro universo de cuiabanos sofredores com a incúria do poder público.
Estava no ônibus em pé, meu subconsciente me alertava que alguma coisa ia acontecer, não dava mais para descer, acomodei-me alerta.
Então, a fatalidade; chego-se a mim um piázinho e me pediu o relógio.
Era um “Orient” herança de meu pai.
Reagi instintivamente, berrei o mais alto que pude, abriu-se pequeno espaço, parti pra cima dele, dei três mortais e tomei um soco nas ventas, dei dois chutes e arrebentei a cara dele na janela.
O piazote ficou todo bamba no chão…
Eis, que me aparece um negão de dois metros, que estava com o ladrãozinho; com um revólver e aponta pro trocador ameaçando matá-lo se eu não entregasse o relógio.
Pensei… pensei mais um pouco.
Aí, do nada vem o neguinho que tinha levado uns tabefes, todo mulambento com uma faca na mão. Eu corro pra frente, desvio dele, que me errando acerta a cabeça do motorista. Eu rápido que nem um azougue, pego a faca e corto a cabeça do muleque… que agora triste e sem cabeça ficou sentado com aparência de desolado.
O negão doido da vida aponta o tresoitão pra mim e berra:
-- Tu tá morto branquelo FDP, me dá o relógio senão te mato, seu desgraçado!
Joguei o motorista pro lado e acelerei fundo.
Eis que escuto, PÁÁ! O cara atirou…
Pááááááááááááá, o eco e a fumaceira espalharam-se no busão, só ficamos, eu dirigindo e o negão de pé, os passageiros colados uns nos outros formavam um tapete humano.
Olhei no retrovisor e a bala vinha na minha direção!
Dei um cavalo de pau com o ônibus fazendo-o ficar na direção contrária que estava.
A bala que vinha na minha direção, agora mirava pro negão que, surprêso e sem ser rápido que nem eu, morreu com um tiro no peito… suicídio!
E não é que nesse entrevero chegamos ao “pedra noventa”, o fim da linha!
Saí aplaudido do ônibus.
“Com certeza” terei que me mudar de bairro, o negão era muito conhecido na região.
Texto adaptado da peça Auto-falante, de Pedro Cardoso
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