Grupo 13... de galo 11/03/2005


Desde algum tempo e ainda neste ano da graça de 2005, aqui em Cuiabá se ouve falar do galiforme fasianídeo.

Dorme plácida nos arquivos implacáveis da Justiça e dos ¨arquivos mortos¨ da burocracia inquisidora, a estória de uma batida policial lá pras bandas do Coxipó.

Registrou-se, então, o que a Polícia Federal fez dias atrás numa rinha de galo do Rio de Janeiro, mantidas as parecências e medido o grau de dinheiro e autoridades envolvidas, autuou-se o delito, com fatos, figuras e galos.

De tudo, resultou processo-crime, devidamente tomado a termo e autuado pelo escrivão. O processo formalizado subiu ao Excelso Tribunal.

Ainda não existiam ONGs que promovessem a defesa dos galináceos e pouco escarcéu se fez, até pela natureza dos indiciados pelo Senhor Delegado.

De tudo, parece-me, resultou lacônico despacho: ¨Arquive-se¨.

Ao galo restou empoleirar-se, manter o recato respeitoso e não mais acordar o dia.

Sabe-se, porém, que esporas continuam sendo afiadas e uma nova raça de coricocós, com genes orientais, nipônicos, habita o Vale do Cuiabá, para honra e glória do Grupo Treze e dos tambores redondos.

Para que a história do galo e das rinhas não fique no olvidamento dos amigos cuiabanos, segue aí embaixo um elegia ao despertador do dia.

Ah, ía me esquecendo: temos um ¨Galinho¨ na Prefeitura. Mas isso é outra estória.


O GALO

O galo é conhecido como emblema da altivez — o que é justificado pela postura do animal — e como emblema da França. Mas trata-se de uma noção recente, sem valor simbólico, fundada no duplo sentido da palavra gallus = ¨galo¨ e ¨gaulês¨.

A ave aparece, ao lado de Mercúrio, em algumas representações figuradas galo-romanas. Aparece também em moedas gaulesas.

Mas os romanos fizeram um jogo de palavras entre gallus, ¨galo¨ e gallus, ¨gaulês¨, como já foi dito. Essa a origem do coq gaulois, cujo valor simbólico tradicional é quase nulo (CHAB, 628-651).

O caráter do galo e o do francês não deixam de ter, porém, do ponto de vista simbólico, um certo parentesco.

O galo é, universalmente, um símbolo solar, porque seu canto anuncia o nascimento do sol. Por isso, os hindus consideram-no atributo de Skanda, que personifica a energia solar.

No Japão, seu papel é importante, pois seu canto, associado ao dos deuses, fez sair Amaterasu, deusa do Sol, da caverna onde se escondia, o que corresponde ao nascer do Sol, à manifestação da luz.

É por isso que, no recinto dos grandes templos xintoístas, galos magníficos circulam em liberdade; no templo de Ise criam-se galos sagrados.

Uma homofonia duvidosa faz, por vezes, considerar os toril dos templos xintoístas como tendo sido, originariamente, poleiros para os galos.

A virtude da coragem, que os japoneses atribuem ao galo, lhe é atribuída também em outros países do Extremo Oriente, onde o galo tem papel
especialmente benéfico: primeiro porque o sinal que o designa em chinês (Ki) é homófono do que significa ¨bom augúrio¨, ¨favorável¨. Depois, porque seu aspecto geral e seu comportamento fazem-no apto a simbolizar as cinco virtudes: as virtudes civis, uma vez que a crista lhe confere um aspecto mandarínico; as virtudes militares, devido ao porte de esporas; a coragem, em razão do seu desempenho em combate (nos países onde a briga de galos é esporte particularmente apreciado); a bondade, por dividir sua comida com as galinhas; a confiança, pela segurança com que anuncia o nascer do dia.

E por anunciar o sol ele tem poderes contra as influências maléficas da noite. Ele as afasta das casas se os proprietários têm o cuidado de pôr sua efígie na porta.

No Vietnã, o pé de galo cozido é a imagem do microcosmo e serve para a adivinhação.

No budismo tibetano, o galo é, no entanto, símbolo excepcionalmente nefasto. Figura no centro da Roda da Existência, associado ao porco e à serpente, como um dos três venenos. Seu significado é o desejo, o apego, a cobiça, a sede.

Convém lembrar que, na Europa, ele é tomado, ocasionalmente, como símbolo da cólera, explosão de um desejo desmesurado — e contrariado. (DURV, GOVM, HUAV, PALL).

Segundo as tradições helênicas, o deus dos galos dos cretenses, Velchanos, é assemelhado a Zeus (SECG, 10). O galo se encontrava junto de Leto (Latona), engravidada por Zeus, quando ela deu à luz Apolo e Ártemis. Assim, ele é consagrado simultaneamente a Zeus, a Leto, a Apolo e a Ártemis, i.e., aos deuses solares e às deusas lunares.

Os Versos de Ouro de Pitágoras recomendam, em conseqüência: alimentai o galo e não o imoleis, porque ele é consagrado ao Sol e à Lua.

Símbolo da luz nascente, ele é, portanto, um atributo particular de Apolo, o herói do dia que nasce.

Apesar do conselho atribuído a Pitágoras, um galo era sacrificado ritualmente a Asclépi(Esculápio), filho de Apolo, e deus da medicina.

Sócrates lembrou a Críton, pouco antes de morrer, que cumpria sacrificar um galo a Asclépio. Sem dúvida, deve-se ver nisso um papel de psicopompo atribuído ao galo; ele iria anunciar no outro mundo o advento da alma do defunto e conduzi-la até lá. A alma abriria os olhos a uma nova luz, o que equivalia, a um novo nascimento.

Ora, o filho de Apolo era, precisamente, esse deus, o qual, com seus remédios, operara ressurreições neste mundo, prefiguração dos renascimentos celestes.

Pelo mesmo motivo, o galo era o emblema de Átis, o deus solar, morto e ressuscitado, no quadro das divindades orientais. Esse papel de psicopompo explica também que o galo seja atribuído a Hermes (Mercúrio), o mensageiro, que percorre os três níveis do cosmo, dos Infernos ao Céu.

Sendo Asclépio, cumulativamente, um herói curador, antes de tornar-se deus, acreditava-se que o galo curava as doenças.


Figura, com o cão e o cavalo, entre os animais psicopompos sacrificados (oferecidos) aos mortos nos ritos funerários dos antigos germanos (KOPP, 287).

Por ocasião das cerimônias de purificação e de expulsão dos espíritos que se seguiam à morte de alguém, certos povos altaicos usavam o galo para representar o defunto. Amarrado ao pé do leito mortuário, era expulso pelo xamã (HARA, 229).

Nas tradições nórdicas, o galo é, ainda, um símbolo de vigilância guerreira. Ele perscruta o horizonte dos mais altos galhos do freixo Yggdrasil a fim de prevenir os deuses quando os gigantes, seus eternos inimigos, se preparem para atacá-los (MYTF, 12, 44). Mas o freixo*, árvore cósmica, é a origem da vida. O galo, que vela no seu píncaro, como no alto da flecha de uma igreja, aparece, assim, como o protetor e guardião da vida.

Os índios pueblos fazem do seguinte modo a associação galo-sol: O avô dizia que as galinhas eram criaturas do deus Sol. É importante, dizia
ele, o canto dos galos de madrugada. O Sol os pôs aqui para acordar-nos. Ele próprio avisa os galos com um sininho, para que eles cantem quatro vezes antes do dia (autobiografia do chefe hopi Don C. Talayesva, TALS, 47).

Esse exemplo acentua, por um lado, a função simbólica do quinário: o galo canta quatro vezes, depois o dia nasce, no quinto tempo, que é o do
centro e o da manifestação (v. cinco*).

Na África, segundo uma lenda dos peúles, o galo está ligado ao segredo. As atitudes, os atos e as metamorfoses do galo correspondem às diferentes espécies de segredos: um galo numa gaiola significa o segredo guardado em silêncio; um galo no pátio (metamorfoseado em carneiro), segredo divulgado aos próximos e íntimos; um galo na rua (metamorfoseado em touro), segredo divulgado e público; um galo nos campos (metamorfoseado em incêndio), segredo comunicado ao inimigo, causa de ruína e desolação (HAMK, 68).

Para os azandés, essa presciência do dia (Ele vê a luz do dia no interior dele mesmo) valia ao galo uma certa suspeição de feitiçaria (EVAS).

O galo também é um emblema do Cristo, como a águia e o cordeiro. Mas, nele, a ênfase recai no seu simbolismo solar: luz e ressurreição.

Já em Jô (39, 36), o galo é o símbolo da inteligência recebida de Deus, que deu ao íbis a sabedoria de Jeová e deu ao galo a inteligência. Às duas aves foi dada também uma faculdade de previsão: o íbis anuncia infalivelmente as cheias do Nilo; o galo, o nascer do dia. Como o Messias, o galo anuncia o dia que sucede à noite. Figura, também, no mais alto das flechas das igrejas e das torres das catedrais.

Essa posição, no cimo dos templos, pode evocar a supremacia do espiritual na vida humana, a origem celeste da iluminação salvífica, a vigilância da alma atenta para perceber, nas trevas da noite que morre, os primeiros clarões do espírito que se levanta. O galo dos campanários proviria, segundo Durand (DURS,155), da conformidade do galo que anuncia o dia com o Sol no pensamento mazdeísta.

O Talmud faz do galo um mestre de polidez, sem dúvida porque ele apresenta seu senhor, o Sol, anunciando-o com o seu canto.

No Islã, o galo goza de uma veneração sem igual em relação aos outros animais. O Profeta em pessoa dizia: o galo branco é meu amigo. Ele é o
inimigo do inimigo de Deus... Seu canto assinala a presença do anjo.

Atribui-se, igualmente, ao Profeta a proibição de maldizer o galo que convida à oração.

Maomé lhe teria conferido uma dimensão cósmica. Dentre as criaturas de Deus, teria dito ele, há um galo cuja crista está debaixo do trono, os pés assentados na terra inferior, e as asas no ar.

Quando passarem dois terços da noite e só restar um terço a passar, ele bate as asas e diz: Louvor ao rei santíssimo, digno de exaltação e de
santidade, i.e., que não tem associado.

Nesse momento, todos os galos cantam (FAHN,505).

O galo é muitas vezes comparado à serpente, no caso de Hermes e Asclépio principalmente. Na análise dos sonhos, a serpente e o galo são, todos dois, interpretados como símbolos do tempo.

Pertencem, ambos, ao deus médico Esculápio (Asclépio), que era, provavelmente, uma encarnação da vida interior e psíquica. Era ele quem enviava os sonhos. (TEIR, 160).

Marcam uma fase da evolução interior: a integração das forças ctonianas ao nível de uma vida pessoal, onde espírito e matéria tendem a equilibrar-se numa unidade harmoniosa.

Como símbolo maçônico, o galo é, ao mesmo tempo, o signo da vigilância e o do advento da luz iniciática. Corresponde ao mercúrio alquímico.

...

*In Dicionário de Símbolos, 457-459, José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1993.

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