Saudade de meu avô



Um dia se foi.
Não sei se foi no tempo da geada grossa.
Não me despedi, se foi meu velho avô!
Lembro que acordavas antes dos galos e ias buscar as vacas naquelas manhãs brancas de geada.
As vacas já na mangueira, me acordavas para o camargo no galpão.
No meu peito sinto uma vontade de sentar contigo no oitão da casa, lagarteando e ir proseando entre um mate e outro.
No tempo d
o frio, em torno do fogo, na velha cozinha de chão, com o teto cheio de picumã, aprendi as primeiras letras, desenhando garranchos na cinza que se espalhava.
Inverno e verão levantando cedo, apojando as vacas, tomando mate, rasgando a terra com o arado, largando semente e cortando azevém; rasgaste tuas mãos fazendo cerca com palanques de camboim.
Me ensinou a encilhar um cavalo, fazer arapuca, trançar corda, manear vaca, tirar lonca... E tudo isto me parecia inútil.
Eu não entendia teu lugar no universo.
Um dia te entendi.
Não me esperaste.
E me falavas de causos de assombração que me gelavam o espinhaço e perturbavam meu sono.
E agora eu tinha causos pra te contar. Não me esperaste.
Vi quando juntei meus trapos pra ir estudar na cidade grande que, choraste.
Embarquei no ônibus da Ouro-verde e me fui.
Hoje te entendo em teu mundo, cumpriste teu ciclo no tempo e no espaço que te foi dado.
E a dor que tua memória me traz, é dor que me revigora.
Me dá vontade de crer noutra vida depois desta, pra tomar mais uns mates e te contar aqueles causos que queria te contar.
Do fundo da memória, me afligem, assombrações e me vejo de volta aos Campos de Cima da Serra como tu, cortando pasto, fazendo vala em banhado, carneando boi, matando porco, consertando taipa, fazendo pelego, curando bicheira, reformando o telhado de “taubinha”, fazendo queijo, assinalando os terneiros, batendo feijão com o manguá, aparando os cascos do cavalo, tirando pinhão, tosando ovelhas, costurando bruacas, dando lance em leilão da igreja, adelgaçando o pingo, tirando boi magro do banhado, pescando carpa no açude, espantando as tiriva da horta e mais mil coisas....
Quase esqueço da bodega e do arrastar de esporas dos fregueses. “- Guri, veja que está chegando e diga que tô indo”!
Vou parar por aqui, que tá me dando uma palpitação e antes que as lágrimas escorregando pela face me molhem os pés.
Saudade de meu avô MARÇAL, que foi um pouco pai pra mim.

 




Léo Medeiros é um ser humano como qualquer outro.

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